Luiz Scarpino[1]
“A mais alta dignidade para a humanidade hoje seria sentir-se não tanto um agrupamento de povos,
um ao lado do outro, muitas vezes em luta entre si, mas, pelo amor recíproco, um só povo, embelezando pela diversidade de cada um,
guardião das diferentes identidades.”
(Chiara Lubich, “O Movimento dos Focolares em seus aspectos políticos e social”.
Discurso proferido a um grupo do Partido Popular Europeu, Estrasburgo, França, 15.9.1998)
O medo engaja. O discurso forte atrai atenção. As reações raivosas geram uma epifania, movimentam e turvam a realidade. A mídia, em si, busca atenção e, para retê-la, pode pautar-se por métodos éticos ou adotar estratégias manipulativas. Os grandes meios de comunicação no Brasil e no mundo, embora constituídos por grandes e poucos grupos econômicos, em geral, gozam de algum tipo de ética comunicativa (por exemplo, pautar matérias com base na realidade; ouvir ambos os lados, notadamente se houver uma acusação; evitar o sensacionalismo etc.). Já na internet, seja nesses veículos alternativos, seja na esfera dos influenciadores individuais, a regra é “não ter regras”. Daí a necessidade de se discutirem limites mais fortes para evitar influências abusivas. Pessoas podem morrer pela ação irresponsável de boatos postados nas redes sociais.
O assunto é sério e, no Brasil, o Marco Civil da Internet já se mostrou incapaz de ser uma norma adequada para os desafios contemporâneos, em tempos de inteligência artificial generativa, que consegue construir vídeos ultrarrealistas completamente forjados na mentira. Isso é grave e, embora algumas iniciativas, como a recente Resolução da Justiça Eleitoral para a tentar conter a desinformação na propaganda eleitoral e as medidas regulatórias – uma Lei de Serviços Digitais séria, como recentemente entrou em vigor na Europa –, ações preventivas em educação digital, dentre outros esforços, devem ser consideradas com uma pauta mais do que urgente.
Enquanto as reformas não ocorrem e o letramento digital ainda é uma promessa, precisamos compreender como os políticos e a política no geral apostam na estratégia de dividir, de gerar desunidade. É sabido que o caos, as brigas e disputas (reais ou não) vendem e atraem atenção. O objetivo em si é desencadear emoções e não vencer um debate baseado em evidências. O medo serve como estratégia política para criar inimigos, geralmente imaginários. Hitler conquistou milhões de alemães, que aderiram livremente ao partido Nacional Socialista (de extrema direita), com base no medo, ameaçando o público de que eventos terríveis ocorreriam se não fosse adotada certa linha de comportamento.
Na política, a estratégia de “dividir e conquistar” é antiga e ganha ares renovados com o incremento das mídias sociais. E a vida digital exponencia o fosso comunicacional, aproximando e aumentando as distâncias relacionais, como alerta o papa Francisco na Fratello Tutti quando diz que “a conexão digital não basta para lançar pontes, não é capaz de unir a humanidade”, ao contrário, pois “habitualmente dissimulam e ampliam o mesmo individualismo que se manifesta na xenofobia e no desprezo dos frágeis”.
As rivalidades políticas e o antagonismo são normais dentro de contextos democráticos, podendo ser saudáveis para a evolução social, desde que não sigam a lógica da autodestruição, da relação amigo-inimigo e de, quando não se vence, o processo democrático é atacado.
Para situações complexas, como guerras, imigração, drogas, as respostas e narrativas simplistas irresponsavelmente aumentam o ódio. Daí surgem tantas teorias da conspiração, em que vale menos a veracidade do que a ressonância de um público maior.
Precisamos nos atentar a mensagens radicalizadoras, que querem diluir nossas naturais diferenças. Somos muitos desiguais e não podemos considerar um inimigo aquela pessoa de outra religião, de orientação sexual ou que tenha uma ideologia política diversa da minha. Podemos e devemos conviver com nossas diferenças em paz e com respeito. A lógica da opressão, da eliminação do outro é contrária aos valores mais caros de uma sociedade justa, livre e fraterna.
Papa Francisco enfatiza a cultura do encontro, de estar disponível na ação concreta com o próximo, do “movimento de estar em saúde”, de escutar e ouvir, para somente então estabelecer um diálogo: “ir e ver”, como método de comunicação autêntica. É preciso privilegiar a comunicação que harmoniza a diferença, pois enriquece a todos, afinal o dom é também receber e não apenas “dar”.
Para tanto, façamos o exercício individual e coletivo de começar a não aderir a tais ondas autodestrutivas. Nas próximas eleições, evitemos acreditar em todo o material a que tivermos acesso. Exercitemos uma autocrítica: será que o conteúdo é, de fato, real? E mesmo que seja, ao passar adiante, vou gerar discórdia com o próximo? Se queremos pacificação e unidade na diversidade, devemos começar pela reflexão sobre como nossas ações contribuem para esta revolução da esperança de um mundo menos injusto e mais sensível ao próximo.
[1] O autor é advogado, professor de Direito e Comunicação, mestre e doutor em Direito, doutor em Cultura da Unidade pelo Instituto Universitário Sophia (Itália) e membro do Comitê Científico do MPpU Internacional.
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