Jorge Curi
Estamos, mais uma vez, próximos de novas eleições municipais em todo território nacional. Milhares de prefeitos e vereadores serão eleitos. Como sabemos, são eles que definem e realizam todas as ações das políticas públicas em benefício de todos os cidadãos, pois é no município que em a democracia de fato acontece. É lógico que as grandes políticas estão definidas primeiramente na Constituição, por meio do Congresso Nacional e das assembleias legislativas, mas onde realmente acontece o dia a dia das nossas vidas é no município.
Portanto, para que a democracia realmente seja mais bem-sucedida, é fundamental que entendamos isso e tenhamos uma atitude proativa, deixando claro aos candidatos o que realmente precisamos e queremos. Precisamos que saibam que eles devem comprometer-se com a atenção à saúde pública. Já da parte da população, essa precisa conhecer e cobrar esse compromisso após as eleições. Os eleitos estarão sob muitas (e, com frequência, antagônicas) situações de pressão, e é nesse contexto, em que opções devem ser feitas, que os compromissos com a maioria da população podem ser facilmente esquecidos ou preteridos.
Uma das grandes expectativas da população brasileira e mundial tem relação com a atenção à saúde pública. Depois da Segunda Guerra Mundial, triste momento da história em que os direitos humanos foram inteiramente violados, a saúde passou a ser encarada como um bem essencial e direito de todos. Muitos países aderiram a essa proposição, que assume a perspectiva da fraternidade e da solidariedade por meio da oferta de serviços por parte do Estado no âmbito da atenção à saúde a todos cidadãos.
No Brasil, com a Constituição de 1988, após intenso debate sobre as questões sanitárias, felizmente, ficou definido que nosso país deve oferecer condições para uma saúde integral a todos, o que deve ser feito com equidade, isto é, de forma proporcional às necessidades diferenciadas de cada cidadão. Mas, para que não haja desvios na trajetória rumo a essa meta, foi definido um controle social, a ser feito pelos conselhos de saúde. Esses, por sua vez, devem contar com representações paritárias de usuários, prestadores e gestores, para que realmente haja uma gestão adequada e não se percam as finalidades firmadas, como aqueles de interesse da população em geral. Esse sistema, por assim dizer fraterno e solidário, é chamado Sistema Único de Saúde (SUS).
Proporcionar saúde integral para todos é um incrível desafio nacional e mundial, ainda mais se consideradas as incríveis novas descobertas da Medicina e na área da saúde em geral, com novos medicamentos, equipamentos e tecnologia. Tudo isso tem um custo, mas também pode trazer facilitação e economia. É o caso do sistema de Telessaúde e suas aplicações. Por meio de sistemas cada vez mais sofisticados e seguros, é possível oferecer bons serviços de saúde em todas as suas fases, quais sejam: a primária, a de complexidades e a de reabilitação.
É lógico que a dinâmica com que ocorrem as doenças pode mudar prioridades, principalmente em relação às doenças infectocontagiosas, como ocorreu com a Covid-19 e, hoje, com a dengue, quando precisamos de ações pontuais e coletivas e contar com a atuação de forças-tarefas. No entanto, pelo histórico do país, conhecemos as doenças características e sua sazonalidade, como preveni-las e tratá-las. Essas, quando surgem, devem ser diagnosticadas e tratadas de forma imediata, em casa, no ambulatório ou no hospital, sob risco de se perder o melhor momento, o que pode custar muito para saúde do paciente, suas famílias e para a sociedade.
Sob esse prisma, devemos cuidar desde o início da vida intrauterina, com o correto acompanhamento pré-natal, cuidados neonatais, amamentação e acolhimento maternal, adequado acompanhamento na infância com alimentação e vacinações. E mais: identificação e tratamento das doenças crônicas potencializadas pelo sedentarismo, como hipertensão arterial, diabetes mellitus, obesidade e outras doenças de ocorrência mais típica em adultos e idosos, como as cardiovasculares, câncer, traumas, problemas osteoarticulares, doenças mentais e demências.
É estratégico que os cidadãos tenham uma educação em saúde, sejam informados e recebam um atendimento primário adequado e amplo, que é caracterizado pela orientação de bons hábitos, como alimentação saudável e atividade física, pelo acolhimento familiar e pelo tratamento de doenças crônicas por meio das ações do programa de Saúde de Família. Esse deve estar associado a uma rede de especialidades médicas – o que inclui as de alta complexidade –, com medicamentos e procedimentos cirúrgicos ou clínicos, os quais, por sua vez, devem estar conectados a uma reabilitação apropriada, para que os pacientes tenham as melhores condições de retorno a uma rotina normalizada após qualquer tratamento específico.
Já quando se tratar de pacientes com doenças terminais, deve ser oferecida a eles e suas famílias uma efetiva e humanizada assistência de cuidados paliativos, em convergência com a realidade das pessoas atendidas e de suas famílias. Paralelamente a isso, precisamos de serviços de urgência e emergência conectados com uma rede dinâmica de saúde, com comunicação ágil e processos bem estabelecidos de referência e contrarreferência, de forma que todos recebam os cuidados imediatos quando necessário e proporcionais a sua gravidade.
Essa grande rede assistencial regional deve sempre trabalhar de modo dinâmico, servindo-se da identificação das necessidades específicas de cada paciente. Dependendo da doença e do estado do paciente, assim como de suas comorbidades, esse deverá ser encaminhado com presteza à melhor localidade e ao melhor local de atendimento, ou cadastrado para atendimento no momento adequado na especialidade conveniente. No entanto, na prática, o que vemos é que essa assistência, com frequência, tem sido retardada devido à falta de estrutura e recursos humanos, financiamento e gestão apropriada.
Mesmo com excelente gestão, a saúde solicita um financiamento elevado e progressivo, sendo necessários transparência no uso dos recursos, diretrizes baseadas em evidências consistentes e atualizadas, estratégias de regionalização para a oferta de saúde. e uso racional desses recursos para que seja possível oferecer uma assistência integral de saúde a todos os cidadãos.
No Brasil, apesar de constar na Constituição a determinação de que se ofereça esse tipo de assistência, o recurso federal nunca foi consistente para que esse desafio seja bem enfrentado, o que tem sobrecarregado as contas públicas de estados e principalmente os municípios. Esses acabam por ter que aplicar uma fração de seus recursos econômicos, muito além do esperado, na saúde, sendo necessário que esse uso do dinheiro público seja muito bem explicado, discutido nos conselhos e que toda população se mobilize para cobrar de seus representantes um financiamento compatível e uma gestão adequada.
É essencial, pois, que, neste ano de eleições, todos discutamos de forma transparente sobre como está a saúde em nossos municípios, suas deficiências, as soluções e estratégias para atingir o objetivo de uma assistência universal, integral e equânime, utilizando e aperfeiçoando os nossos meios de controle social, analisando o histórico dos candidatos e exigindo deles o compromisso com propostas realistas e objetivas, além de uma autocrítica sobre como estamos cuidando de nossa saúde e de nossa família. Essa é a forma fraterna de cumprirmos nossa responsabilidade social em relação ao cuidado com a nossa saúde, a de nossa família e de nossa comunidade.
O autor é cirurgião-geral, intensivista e nutrólogo, médico assistente da Cirurgia do Trauma da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diretor da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas e da Associação Paulista de Medicina.
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