Maria de Lourdes Sampaio dos Santos[1]

 

A cada novo pleito municipal, temos a oportunidade de fazer escolhas dignas para as mudanças do que julgamos como más condições de vida das pessoas de nossa cidade: a melhor aparência dos bairros, condições de acessibilidade para pessoas com deficiência física, meio ambiente com gestão sustentável, acesso aos serviços públicos, segurança, combate à fome, garantia de alimentação saudável, transporte público de qualidade, saúde, lazer e educação, enfim, mudanças que reflitam a dignidade de um povo fraterno, de uma sociedade democrática, justa e igualitária. Nessa perspectiva, a escolha do perfil de representantes torna-se um ato de responsabilidade, e serão sempre louváveis todos os esforços em prol da conscientização e reeducação social da sociedade em geral.

No contexto das mudanças sociais, para o alcance de dignidade cidadã de uma população, podemos destacar a importância do aumento da representatividade de mulheres pretas nos pleitos e nas escolhas dos eleitores. Mulheres pretas representam um enorme grupo populacional no Brasil e estão entre as maiores vítimas de flagelo social. Observa-se uma desproporcionalidade na representatividade de mulheres que se autodeclararam pretas: antes do pleito de 2022, cerca de 28% dessas mulheres formavam o maior grupo populacional, enquanto apenas 2% ocupavam uma cadeira no Congresso Nacional (Brasil de Fato, 2/08/2022).

Apesar do crescimento do índice de mulheres pretas eleitas no pleito de 2022, a representatividade ainda é considerada baixa – cerca de 8% do Congresso Nacional –, enquanto que 56% da população se autodeclara preta ou parda. Essa baixa representatividade revela a falta de respeito à pessoa preta, o que é favorecido pelo racismo estrutural que enfeia a nossa história.

Mulheres pretas recebem 48% do que ganham homens brancos (Agência Brasil,1/07/2023), participam menos do mercado de trabalho e são mais afetadas pela pobreza (dados do IBGE notícias, 8/03/2024). Elas são também as maiores vítimas de violência psicológica, física e sexual provocada por parceiros. São as maiores vítimas de homicídio; estão em menor nível de escolaridade em relação às mulheres brancas em fase adulta (estudos estatísticos do gênero, IBGE, 8/03/2023), apesar de a lei de cotas ter diminuído esta desigualdade. Além das piores formas em termos de remuneração e qualidade de postos de trabalho, as mulheres pretas ou pardas são minorias nas várias áreas da ciência jurídica, médica, engenharia, economia etc.

Nos parlamentos, elas denunciam menosprezo, microagressões tentativas de silenciamento, ameaças, isolamento político, constrangimentos nas diversas formas que o patriarcado e o racismo promovem.

A luta por mais representatividade de mulheres pretas nas decisões e políticas públicas em nível municipal, estadual ou federal favorece o processo de reparação histórica às agressões sociais à etnia preta. Contribui também para o desenvolvimento social mais harmonioso e democrático e para a diversidade de vozes nos parlamentos.

Contudo, é importante destacar que todas as mulheres pretas que carregam essa representatividade precisam compreender e expressar sintonia com as pautas identitárias antirracistas, para que não se perpetue a banalização ou desconsideração das lutas por reparação histórica e pela erradicação do racismo, isto é, que não representem a figura dos chamados “capitães do mato[2]”.

A representatividade preta deve ser qualitativa além de numérica. Alguns caminhos para a qualificação, não apenas de mulheres pretas, mas de todos que pretendem exercer um cargo político ou na administração pública, podem ser traçados junto às lutas de movimentos sociais em que se pode melhor escutar os gritos e anseios populares.

As temáticas das campanhas da fraternidade e do grito dos excluídos, ambas iniciativas promovidas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e todo o conhecimento científico que esclarece sobre os caminhos que nos trouxeram a tantas desigualdades sociais, étnicas e culturais, são bases para a atuação de todas as pessoas em cargos políticos e para tomadas de decisão que impactam a sociedade como um todo.

Mulheres pretas parlamentares ou em outros cargos institucionais são convocadas a dar continuidade às lutas levantadas por todas que, apesar das tentativas de invisibilizá-las, promovem ânimos com suas memórias. Assim, destacam-se Tereza de Benguela (meados do século XVIII), Maria Filipa (século XIX), Mariele Franco e Mãe Bernadete, as quais, por suas lutas por justiça social, enfrentaram ameaças, tiveram suas vidas ceifadas recentemente pela violência e covardia daqueles que eram contra as causas defendidas por elas.

É urgente que se multiplique a representatividade de mulheres pretas nos espaços de decisões políticas e institucionais, para que possamos ser uma sociedade plural, multicor, com a alegria da vida bem vivida para todos.

[1] A autora é professora aposentada, com licenciatura e bacharelado em Biologia, pós-graduada em Metodologia do Ensino Superior, em Educação Profissional e Tecnológica com ênfase em gestão. Participa do Movimento dos Focolares e da pastoral da Saúde na Diocese de Macapá.

[2] Figura conhecida por perseguir e tratar com extrema violência negros escravizados fugitivos.