Diminuindo ruídos, sanando nossas divisões
Luiz Eugenio Scarpino Jr. e Flávio Dal Pozzo Marconi Aurélio e Silva
Font: Cidade Nova | Abril 2023 – O amor dos amores
REFLEXÃO Como o enfrentamento de fake news é importante na política e em nossa vida social
FAÇAMOS uma autoanálise: por causa da política, nós fomos capazes de ferir ou de nos sentirmos feridos pelas dores do outro? Experimentando um ambiente não só polarizado, mas também altamente permeado por informações de má qualidade, e mesmo pela mentira, as conhecidas fake news, grandes responsáveis por difundir desinformação, muitos de nós, inclusive movidos pelo desejo de fazer o bem ao outro, acabamos por entrar em contradição. Reflitamos.
O Movimento dos Focolares produziu um “mapa de navegação” intitulado “A coragem de abraçar o mundo – À escuta do grito da humanidade, da criação e das novas gerações”, decorrente da sua Assembleia Geral de janeiro/fevereiro de 2021.
Entre as premissas desse documento, o primeiro ponto é o seguinte: “1. Olhamos o mundo e nos comprometemos a ir em busca dos que sofrem, dos que são excluídos, a começar por aqueles que fizemos sofrer ou que nós mesmos excluímos, pessoalmente ou como Obra. Empenhamo-nos em estar em diálogo com todos e todas, em nos deixarmos tocar pelo outro, de preferência por quem percebemos que é diferente de nós. Queremos nos aproximar de cada pessoa para ouvi-la em profundidade, acolher seu sofrimento e aprender com ela, construindo juntos relações genuínas e de qualidade”.
Sublinhemos dois pontos:
1º- comprometimento em olhar para aqueles que fizemos sofrer ou excluímos; 2º- empenho no diálogo com quem pensa diferentemente. O quanto nossas ações foram capazes de aproximar ou ouvir com profundidade as dores do outro? Estamos construindo relações genuínas ou de qualidade, ou estamos em guerra ideológica ou ainda, completamente alheios aos dramas, afastando-nos de tudo e de todos que não expressem o nosso pensar?
A política é a arte do diálogo. Diante de uma sociedade dividida, temos o dever, além da postura cívico-social, de restabelecer canais com aqueles que estão adoentados pela desinformação política, com aqueles que não acreditam na imprensa, que se fecham em guetos virtuais (lista de disparos ou grupos de WhatsApp/Telegram), que não leem nada além de textos inseridos em imagens, recitam palavras de ordem (as quais, na realidade, promovem a desordem), não são capazes de acreditar na pluralidade, na diversidade como uma fonte de riqueza e não de destruição. A esses, nossa especial atenção e cuidado, pois certamente fazem parte dos nossos círculos de convivência, de nossas famílias. Eles se veem atormentados por ameaças irreais e acreditam (inacreditavelmente) que estão fazendo o bem, mesmo quando expressam irracionalidades.
Precisamos pôr fim aos disseminadores do caos e a eles estabelecer respostas jurídicas definitivas, inclusive aos seus financiadores. Aqueles que produzem e distribuem as fake news, que pensam e criam estratégias para semear a discórdia estão em uma posição da qual devem prestar conta, inclusive às instituições criminais. Para essas pessoas, a desunião é a estratégia para desagregar nossa civilidade. E não podemos ser condescendentes ou tolerantes com quem prega a guerra entre irmãos. A paz social é a resposta correta. A paz depende da liberdade e exige responsabilidade.
Sanar as divisões e os conflitos, promovendo percursos de reconciliação, é a bússola legada ao trabalho do Movimento Político pela Unidade, expressão civil do Movimento dos Focolares. Nesse sentido, o MPpU se alinha ao cumprimento de deveres de cidadania, tais como reconhecer as feridas (ainda abertas) das pessoas e dos povos; conscientizar e refletir sempre sobre o peso de nossas ações, daquilo que fazemos (e não fazemos), do quanto estamos empenhados em construir pontes, ao invés de destruí-las.
Para tanto, a rapidez com que nos afastamos dos divergentes ou com quem nem sequer buscamos o diálogo é uma ação incompatível com esses deveres. Diálogos profundos são formados com base na escuta profunda das dores do outro. Podemos até não concordar, mas essa escuta nos ajudará a nos aproximarmos de certos dramas humanos. As diferenças se reduzem quando buscamos entender o sentimento do outro. Já as reações mais agressivas tendem a arrefecer em conversas diretas, francas, olho no olho, com tempo, sem bordões, frases de efeito, julgamentos imediatos.
Convites à reflexão vão além de indicar links de vídeos no YouTube (um antro de fake news, diga-se de passagem) ou de textos sem fonte no WhatsApp. A internet tem esse efeito de nos colocar em guetos, nos quais pessoas que pensam de forma igual ficam de um lado e, noutro, os seus opositores. As redes sociais querem reduzir o indivíduo a uma cor, tirando de cada pessoa a sua personalidade. Somos todos diferentes e podemos nos alinhar com quem mais nos identificamos, mas, ainda assim, a comunidade da vida é plural, é rica, é múltipla e colorida.
É possível defender as liberdades individuais sem faltar com o respeito aos valores sociais, sem atacar as instituições, o que significa que vivemos em uma comunidade e nossa visão de mundo não é a única, a soberana, a melhor. É para isso que instituições são criadas, que existe uma Constituição, que se garante a democracia – que é o governo da maioria mas respeita as minorias, respeita eleições livres, periódicas, assegura as competências e permite a todos (situação, oposição e a sociedade civil organizada) participarem do jogo democrático.
Temos a esperança de conseguir nutrir a resiliência, curar as feridas, para que o diálogo possa ser reavivado em favor de uma política fraterna, capaz de cuidar e acolher.
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